Ter ou não Ter namorado ? Eis a questão!
Quem não tem namorado é alguém que tirou férias não remuneradas de si mesmo. Namorado é a mais difícial das conquistas. Difícil porque namorado de verdade é raro. Necessita de adivinhação, de pele, saliva, lágrimas, nuvem, quindim, brisa ou filosofia.
Paquera, flerte, caso, transa, envolvimento, até paixão é fácil. Mas namorado mesmo é difícil.
Quem não tem namorado não é quem não tem amor: é quem não sabe o gosto de namorar. Se você tem três pretendentes, dois paqueras, um envolvimento e dois amantes, mesmo assim pode não ter nenhum namorado.
Não tem namorado quem não sabe o gosto da chuva, cinema das duas, medo do pai, sanduiche na padaria, ou drible no trabalho. Não tem namorado quem transa sem carinho, quem se acaricia sem vontade de virar sorvete ou lagartixa e quem ama sem alegria. Não tem namorado quem faz pactos de amor apenas com a infelicidade.
Namorar é fazer pactos com a felicidade, ainda que rápida, escondida, fugida ou impossível de durar.
Não tem namorado quem não sabe o valor de dar as mãos, de carinho escondido na hora em que passa o filme, de flor catada no muro e entregue de repente, de poesia de Fernando Pessoa, Vinicios de Morais ou Chico Buarque, de gargalhada quando se fala junto ou descobre meia rasgada, de ânsia enorme de viajar junto para Escócia ou mesmo de metrô, bonde, nuvem, cavalo alado, tapete mágico ou foguete interplanetário.
Não tem namorado quem não descobre a criança própria e a do amado e sai com ela para parques, fliperamas, beira d'agua, show de Milton Nascimento, bosques enluarados, ruas de sonhos ou musical da Metro.
Não tem namorado quem nunca sentiu o gosto de ser lembrado de repente no fim de semana, na madrugada, ou no meio dia de sol em plena praia cheia de rivais.
Quem ama sem se dedicar, quem vive cheio de obrigações, quem confunde solidão com ficar sozinho e em paz, quem não fala sozinho, não ri de si mesmo e quem tem medo de ser afetivo.
Se você não tem namorado porque não descobriu que o amor é alegre, e você vive pesando 200 kilos de gritos e medos, põe a saia mais leve, aquela de chita e passeie de mão dadas com o ar.
De alma escovada e coração estouvado, saia do quintal de si mesmo e descubra o jardim. Acorde com o gosto de caqui e sorria lirios para quem passe debaixo de sua janela. Ponha intenção de quermesse em seus olhos e beba licor de contos de fada.
Se você não tem namorado é porque não enlouqueceu aquele pouquinho necessário a fazer a vida parar e de repente parecer que faz sentido.
Enlou-cresça.
Carlos Drummond de Andrade