O mito do trabalho e a construção de SP
Eliane Yambanis Obersteiner
Especial para o Fovest
Desemprego é hoje o principal temor do trabalhador. São Paulo, que já foi
vista como promissora para migrantes de todo o país, hoje amarga uma
queda brusca na qualidade de vida, além do aumento da violência e do
agravamento dos problemas sociais.
Em parte, essa situação decorre da falta de emprego. A percepção
progressiva da falta de espaço de trabalho em São Paulo vem, inclusive,
refreando o fluxo migratório. Há cem anos, a situação era bem diferente. Na
virada do século, São Paulo passou por um processo lento e gradual de
urbanização e industrialização.
Houve um fluxo imigratório intenso, e o imigrante tornou-se a principal
mão-de-obra do mundo do trabalho livre, inaugurado oficialmente como forma
dominante em 1888, com a Abolição da Escravatura. A organização do
trabalho livre era inicialmente precária, num mundo habituado a relações
escravagistas.
Baixos salários, inexistência de uma legislação trabalhista que permeasse as
relações capital-trabalho e, principalmente, uma mentalidade elitista que
desvalorizava o trabalho, compunham a precariedade do mundo do trabalho
livre que se iniciava. A abolição acabou com a coerção física como forma de
vincular o homem ao trabalho. Era preciso forjar outro vínculo. A produção de
uma noção ideológica de trabalho assalariado foi corroborada pela condição
socioeconômica que caracterizava o imigrante. O trabalhador expropriado,
desenraizado e em busca de melhores condições de vida foi inserido num
contexto pré-capitalista, que introjetava na noção de trabalho a possibilidade
da redenção da pobreza.
É o mito de que o trabalho levaria ao aburguesamento. O sonho do imigrante
era tornar-se proprietário, mesmo que para isso precisasse submeter-se,
sacrificar-se e, acima de tudo, poupar. A força de trabalho imigrante que
ergueu São Paulo no início do século se espelhava no mito social do conde
Francisco Matarazzo, imigrante que incorporava os anseios dos demais.
Todos sonhavam percorrer o mesmo caminho e todo sacrifício se justificava
como forma de obtenção do aburguesamento por meio do trabalho. Essa
noção de trabalho constituída pela burguesia é ideológica e controladora da
massa trabalhadora.
No entanto, esse mito do trabalho como forma de aburguesamento não se
manteria. A Villa Matarazzo, na av. Paulista, sua construção, ascensão e
demolição são a prova material do percurso do mito. Hoje, o trabalhador não
crê mais que o trabalho possa redimi-lo da pobreza, embora a inserção no
capitalismo por meio do trabalho lhe confira dignidade e honradez.
Veja se aprendeu
1. Sobre o processo de industrialização e urbanização de São Paulo na
passagem do século 19 para o século 20, é incorreto afirmar que:
a) foi um processo lento, gradual e irreversível;
b) a mão-de-obra imigrante formou o proletariado urbano;
c) a força física vinculou o homem ao trabalho na indústria;
d) o Conde Matarazzo foi o mito social que inspirou operários;
e) o mito do aburguesamento através do trabalho ajudou a desenvolver São
Paulo.
2. "Naquela época, não tinha maquinaria, meu pai trabalhava na enxada. Meu
pai era de Módena, minha mãe era de Capri e ficaram muito tempo na roça.
Depois a família veio morar nessa travessa da Avenida Paulista, agora está
tudo mudado, já não entendo nada dessas ruas." Esse trecho do depoimento
de um descendente de imigrantes, transcrito na obra Memória e Sociedade,
de Ecléa Bosi, constitui um documento importante para a análise.
a) do processo de crescimento urbano paulista no início do século atual, que
desencadeou crises constantes entre fazendeiros de café e industriais.
b) da imigração européia para o Brasil, organizada pelos fazendeiros de café
nas primeiras décadas do século 20, baseada em contratos de trabalho
conhecidos como "sistema de parceria".
c) da imigração italiana, caracterizada pela contratação de mão-de-obra
estrangeira para a lavoura cafeeira, e do posterior processo de migração e de
crescimento urbano de São Paulo.
d) do percurso migratório italiano promovido pelos governos italiano e paulista,
que organizavam a transferência de trabalhadores rurais para o setor
manufatureiro.
e) da crise da produção cafeeira da primeira década do século 20, que forçou
os fazendeiros paulistas a desempregar milhares de imigrantes italianos,
acelerando o processo de industrialização.
Gabarito: 1-c, 2-c.
Fonte: Eliane Yambanis Obersteiner
* Eliane Yambanis Obersteiner é professora de história do Colégio Equipe.