O caleidoscópio da ciência histórica
Eliane Yambanis Obersteiner
Especial para o Fovest
Nossa cultura é constituída por uma diversidade de símbolos, ritos e mitos
que caracterizam e delimitam nossa identidade. Os valores que hoje nos
organizam enquanto sociedade espelham nossa formação, fruto de um
intenso processo de miscigenação e sincretismo cultural e religioso. Somos,
portanto, únicos e inconfundíveis. Enquanto grupo social, nos espelhamos em
certos valores propagados repetidamente pela massa que os cultiva sem, na
maioria das vezes, discernirmos sua origem e os interesses que refletem.
Somos o país do futebol, do Carnaval, do jeitinho brasileiro. Temos lindas
mulheres, sol, praia. Somos um povo alegre. Sentimos orgulho de sermos
pacíficos, de resolvermos nossos problemas sem conflitos ou grandes
alardes.
Para coroar essa auto-imagem generosa, cultivamos heróis de gabarito: os
bandeirantes, Tiradentes, D. Pedro 1º, Duque de Caxias e outros. Quem
estudou história nas décadas de 60 e 70 neste país sabe que o culto aos
heróis nacionais era privilegiado. Nessa visão, a história do Brasil é
constituída a partir de atos individuais, desvinculados de interesses de grupos
sociais específicos.
Não nos cabe, aqui, negar a liderança que certas pessoas tiveram em
determinadas conjunturas. Ao contrário, buscamos resignificar certas
atuações como fruto de interesses específicos, redimensionando-as de forma
a constituir uma narrativa histórica que seja analítica, que privilegie o
entendimento da dinâmica social nos diferentes interesses que a compõem
e, acima de tudo, que seja processual.
O estudo da história que hoje enfatiza a questão da metodologia possibilita
ao aluno compreender como essa ciência se constitui do ponto de vista
acadêmico e historiográfico, permitindo ao mesmo chegar a conclusões por
conta própria. É de fundamental importância o entendimento de que o olhar
que imprimimos à história é ideológico, tanto quanto o é a transformação das
pessoas em mitos sociais.
Conhecemos bem o heroísmo bandeirante que desbravou o interior do Brasil,
enfrentando a selvageria indígena. No entanto, não sabemos quase nada
sobre como os indígenas se sentiram diante de tais invasores, que matavam
e escravizavam os nativos.
A história oficial, durante décadas, buscou minimizar a importância de líderes
populares. Quem hoje, com menos de 20 anos, ouviu falar de João Cândido,
líder da Revolta dos Marinheiros? Negro, analfabeto e desdentado, liderou um
movimento de contestação contra interesses do poder instituído no princípio
do século 20. Certamente, esse assunto não faz parte do currículo de
formação da maior parte dos estudantes.
Que ameaça pode trazer a conscientização histórica? Será que o olhar crítico
do processo histórico brasileiro leva à releitura dos mitos sociais, dos
heroísmos e, portanto, ameaça alguns interesses? Quais? Certa vez um
poeta espanhol disse que todo dia pela manhã olhava o jardim da casa em
que morava através de um vitral colorido. E que, a cada dia, as flores
assumiam tonalidades distintas, de acordo com o ângulo do vitral que ele
focava. Assim, pois, é a ciência histórica.
Veja se aprendeu
1. Em relação ao texto acima, assinale a alternativa correta:
a) A história estuda o passado da forma exata como este ocorreu;
b) A interpretação histórica está vinculada à visão de mundo específica de
quem a executa;
c) A história é constituída predominantemente por atos heróicos e individuais;
d) O ensino de história no Brasil sempre seguiu a mesma linha teórica;
e) Os valores culturais brasileiros são aqueles herdados pelos indígenas.
2. A história, enquanto ciência, se constitui a partir dos elementos citados
abaixo, exceto:
a. interpretação;
b. metodologia;
c. historiografia;
d. passado;
e. futuro.
Gabarito: 1-b, 2-e
Fonte: Eliane Yambanis Obersteiner
* Eliane Yambanis Obersteiner é professora de história do Colégio Equipe.